quinta-feira, março 15, 2018

Apresentação do Junkers G-24 em Alverca - 1925

No dia 16 de Novembro de 1925, pelas 14:15, aterrou na Pista Internacional de Alverca, o trimotor "Junkers" G-24, primeiro avião trimotor monoplano de transporte comercial, inteiramente metálico, na altura qualificado como avião gigante. A iniciativa deveu-se à Empresa Técnica Industrial, Limitada, representante da casa "Junkers", em Portugal.
Este avião, da companhia sueca AB Flygindustri, matrícula S-AAAY, veio em viagem de propaganda e preparação das carreiras aéreas Alverca-Sevilha e Alverca-Madrid, sendo pilotado por Fritz Horn (30) e Carlos Gunnar Lindner (25). Fritz Horn, escolhido pela casa "Junkers" para voos de responsabilidade, era um piloto e mecânico competentíssimo e já tinha realizado em Julho desse ano, a rota dos sete países: Suécia, Dinamarca, Alemanha, Suíça, Áustria, Hungria e Polonia em 4 dias, num avião idêntico.
O "Junkers" G-24 S-AAAY, construído em Limhamn (cn 905), passaria em 1926 para a Lufthansa como D-1596 "Faunus", e em 4 de Abril 1927 seria matriculado na UAE como M-AJAJ "Sevilla", iniciando a carreira Alverca-Sevilha, no dia 29 do mesmo mês, com o célebre piloto José Maria Ansaldo. Adquirido em 1935 pela Oleag foi matriculado OE-LAB "Faunus" e regressou à Lufthansa em 1938 como D-ALAB "Faunus", tendo sido acidentado e abatido em 1939.

Publicidade sobre a marcação de lugares no Junkers para uma volta sobre Lisboa.

Capa do Domingo Ilustrado sobre a vinda do avião Junkers G-24. A matricula do avião não confere, embora a AB Aerotransport tenha tido um S-AAAG Norrland, cn 838, nas suas carreiras internas.

Publicidade sobre as viagens de recreio sobre Lisboa no Junkers G-24

S-AAAY da AB Flygindustri foi matriculado em 1927 como M-AJAJ "Sevilla" na UAE
Transcrevo abaixo o que foi relatado nos jornais "Diário de Lisboa" e "O Século" de 16-11-1925:
A partida de Quatro Vientos
O avião tinha saído da pista de Quatro Vientos, em Madrid, às 9h37m, de 16 de Novembro de 1925, tendo como passageiros: o director da Aeronáutica Naval, comandante Aires de Sousa, o representante da Aviação Militar, major Cifka Duarte, presidente do Aero Clube de Portugal, engenheiro Gabriel Ramires dos Reis, diretor da Empresa Técnica Industrial, representante dos "Junkers", o snr Ferdinand Meuts, o Agente Geral das Colónias, Dr. Armando Zuzarte Cortesão e os jornalistas Alonso, o grande repórter fotográfico espanhol, Gustavo Franchell, sueco, e o nosso camarada Felix Correia como redator da agência Havas.
O avião voou sempre contra o vento, tendo apanhado durante grande parte do percurso chuva e nevoeiro. Pois apesar disso, a viagem foi deliciosa, visto que a estabilidade do aparelho é tão grande, que os passageiros chegam a ter a impressão de viajar no «Sud».

Cima: O avião aterrando no campo de Alverca. Baixo: Os passageiros e tripulantes.
A chegada a Portugal
Era meio dia quando o avião começou voando sobre terras de Portugal, seguindo, como já o vinha fazendo desde Toledo, a linha do Tejo. Foi, então, aberta uma garrafa de "Champagne" e bebeu-se por Portugal, pela nossa Aviação de terra e mar e pela imprensa. Perto de Santarém, o major Cifka Duarte tomou, por especial deferência dos pilotos, conta de um dos comandos, que largou pouco antes de se voar sobre Alverca, onde o avião passou ás 13h52m. Na pista viam-se muitas dezenas de pessoas aguardando o aparelho - e entre eles vários aviadores. O avião fez uma viragem a poucos metros de altura, sobre o campo e dirigiu-se a Lisboa. Sobre a cidade, onde chegou às 14h00 em ponto, fez o "Junkers" várias evoluções que despertaram entusiasmo em toda a população, sendo lançados pelos passageiros e tripulantes, milhares de exemplares do seguinte manifesto:
«À CIDADE DE LISBOA» - de bordo do avião "Junkers" - o iniciador das carreiras aéreas de Portugal - que acaba de percorrer 2800 quilómetros, sobre seis países diferentes, desde Malmoé (Suécia) até à capital portuguesa - todos nós estrangeiros e portugueses, passageiros e tripulantes, saudamos enternecidamente o povo de Lisboa. A vinda do "Junkers" a Portugal representa a realização duma grande aspiração que nada explica que não se tenha ainda efectivado. Coube à Empresa Técnica Industrial, Limitada, representante da casa "Junkers", a glória de tão útil iniciativa.
Portugal, que em aviões, segundo o testemunho de Sarmento Beires, está atrasado cinco anos, fica, desde hoje, por intermédio do "Junkers", em contacto com a última palavra da navegação aérea. Este avião - do qual estamos contemplando agora as maravilhas de Lisboa - é o primeiro avião comercial, o primeiro inteiramente metálico e o primeiro com três motores, que vem a Portugal. Para o povo de Lisboa e para a gloriosa Aviação portuguesa vão as mais sinceras saudações de todos nós. A bordo do avião "Junkers" - Novembro de 1925.»
Ao passar sobre o liceu Gil Vicente, o avião desceu a pouca altura e deixou cair na cerca daquele estabelecimento de ensino, uma pequena mala de lona, envolta num galhardete com as cores nacionais. A mala, tinha de um lado os seguintes dizeres: Correio Aéreo do Avião «Junkers Madrid-Lisboa» e do outro: «Pede-se o favor de entregar imediatamente no Palácio Presidencial» Os alunos do 3º ano do mesmo liceu, Mário Cambraia e Luís do Quintal Barbosa, por indicação do respectivo reitor, levaram-na ao palácio de Belém, onde foi entregue ao snr Jaime Atlas, secretário geral da presidência da Republica.

O avião virou, então, com rumo a Alverca, onde aterrou às 14h15m, sendo os que nele viajavam aclamados pela multidão. Na pista de Alverca estavam, entre outros, os srs comandantes Cerqueira da Aeronáutica Naval, capitão Beja do Aero Clube de Portugal, Carlos Bleck, cônsul da Suécia, capitão Luis de Almeida director do Parque de Material Aeronáutico, tenentes Penha Metelo, Felgueiras e Tedim, capitão Barra dos Aerosteiros, cônsul da Noruega, etc. Também ali esteve a família do comandante Aires de Sousa da Aeronáutica Naval.
No aparelho, donde foi atirada sobre a cidade uma mala de correio, com cartas do snr Melo Barreto para os srs presidente da Republica e do governo, foi colocada a bandeira portuguesa, tendo acorrido a Alverca, durante o resto da tarde, muitas centenas de pessoas, desejosas de admirar o avião gigante.(Crédito: DL e O Século 16-11-1925)
 
Vista do PMA e do Campo Internacional de Alverca, em 1924, mostrando um avião estacionado e o hangar metálico de apoio.
Sobre as viagens efectuadas nos dias seguintes, encontrei as seguintes referências:
19-11-1925 - No segundo dia de voos, o Junkers voou várias vezes sobre Lisboa, atraindo a atenção de toda a cidade pelas suas curiosas evoluções. A Alverca, campo onde o aparelho levanta e  aterra, foram muitos aviões e hidros que o acompanharam nalguns voos. Foram passageiros, entre outras entidades oficiais, o srs Ministros da Marinha e das Colónias, com os seus ajudantes, os chefes do gabinete dos srs Ministro do Comércio e da Guerra, e o capitão aviador Pinheiro Correia, como representante daqueles titulares, e os srs ministro da Espanha e adido militar espanhol e cônsul da Suécia.
23-11-1925 - Ao terceiro dia de voos faltou o benzol e devido ao atraso na sua entrega, o "Junkers" ficou parado em Alverca, durante alguns dias, tendo os  pilotos descansado e dado uma entrevista ao Diário de Lisboa.
25-11-1925 - No comboio das 11:45, seguiram para Alverca, numerosos jornalistas de todos os diários da capital, que voaram sucessivamente, em grupos de 10, no avião "Junkers", sobre Lisboa e arredores. Todos os jornalistas ficaram encantados com a estabilidade e segurança do poderoso aparelho - que tem ficado à chuva e ao vento na pista de Alverca, por não precisar de «hangar».
28-11-1925 - O mau estado da pista de Alverca impediu o "Junkers" de viajar para Sevilha, como estava anunciado, a fim de transportar da capital andaluza a Madrid, o general Primo de Rivera e os Duques da Vitoria. Devido ás abundantes chuvas do dia anterior, a pista de Alverca ficou completamente alagada, tendo as rodas do trem de aterragem ficado enterradas até metade, quando o piloto Horn tentou, embora sem passageiros, e ajudado por todo o pessoal do Parque de Alverca, fazer rolar o pesado "Junkers" na pista.
02 a 22-12-1925 - O "Junkers" fez vários voos sobre Lisboa, tendo transportando várias entidades oficiais, aviadores, gente do teatro e da imprensa. O Diário de Noticias sorteou dez viagens no "Junkers", que podiam ser substituídas por um prémio de 100 escudos.
22-12-1925 - « Às 10:55, levantou voo de Alverca, em direção à cidade do Porto, o avião "Junkers", pilotado pelo aviador Fritz Horn e com o major Cifka Duarte a um dos comandos. Além destes aviadores e de um mecânico, seguiram no aparelho: o capitão Jorge Castilho, os jornalistas do Porto Carlos Neves, do "Primeiro de Janeiro", Joaquim Salgado do "Comércio do Porto" e Juliano Ribeiro do "Jornal de Notícias", o snr Hermenegildo A. Soares, da casa Campos & Serra, que fretou o avião para esta viagem, e os nossos camaradas de Lisboa, Augusto Pinto, do "Diário de Noticias" e Félix Correia. O capitão Jorge Castilho levava consigo o sextante de Gago Coutinho, que pertence à Aviação Militar, tendo feito várias observações durante o percurso. Uma hora e 35m depois da largada, o "Junkers" chegava ao Porto, tendo feito vários voos sobre a capital do Norte, cujas ruas e praças estavam apinhadas de populares. Depois de lançar numerosos manifestos e jornais sobre o Porto, o avião regressou às 12:55 a Alverca, onde chegou às 14:45, fazendo o percurso com vento contrário. Apesar de chuva e forte ventania que o aparelho apanhou no Norte, a viagem, que durou 3h50m, foi deliciosa.»
O regresso a Espanha
29-12-1925 - O "Junkers" realizou o seu voo final entre Alverca e Sevilha, para entrega do avião, levando como tripulantes e passageiros os srs major Cifka Duarte, tenentes Jorge de Ávila e José Cabral, engº Gabriel Ramires dos Reis, da Empresa Técnica Industrial, Limitada, representante da casa do avião, o jornalista Félix Correia do "Diário de Lisboa". A aterragem fez-se na pista de Tablada, considerado o melhor aeródromo da Península Ibérica, onde vários aviadores espanhóis esperavam para dar as boas vindas. No dia 31-12-1925, foi efetuada a despedida dos aviadores de Tablado, que fizeram algumas acrobacias com um Breguet e um Avro sobre a comitiva e apresentação de cumprimentos ao cônsul de Portugal sr Jorge de Noronha e Oliveira. A viagem de Alverca a Sevilha, em avião, durou 2h45m, enquanto o regresso dos passageiros portugueses, através de comboio, camioneta, gasolina e vapor, demorou 23 horas.

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